Mas entra em cena algo que minhas companhias dolorosamente me rememoram: a interpretação.
Recordo-me do tempo em que li Freud pela primeira vez, coisa de cinco anos atrás. A poderosa ferramenta interpretativa criada por ele é mesmo com um Buddha de olhos cintilantes. E sim, ela me cativou: parecia dar conta de tudo, explicar tudo.
Naquele tempo eu me descobri sedento por acreditar. Naquele tempo, tão bom, podíamos simplesmente acreditar.
Contemporaneamente, travava contato pela primeira vez com os textos nietzscheanos (dos quais guardo uma distância segura até hoje, numa relação confusa, apaixonada), mas a sua evidência já era grande pra mim: ao menos meu Deus já estava morto.
Este vazio, antes preenchido pelo Divino Superpai, demiúrgico, é sentido com urgência. A isso expressa muito bem o poeta, ao desejar poder crer num manipanso qualquer.
É inegável que entrei nessa viagem pelo convite freudiano e em pouco depois aderi ao corpus jungiano, talvez pelo caráter mais otimista, talvez pela estranheza causada pela idéia do drama/romance familiar edipiano como complexo nuclear. Levou um bom tempo até que uma proposta nova chamasse a minha atenção para Lacan: a provocação, a ironia.
Alguém poderia sentir-se tentado a culpar a graduação em filosofia pela chegada da peste, mas antes é terreno fértil para que esta planta demoníaca continue a crescer, partindo o concreto desta pavimentação, regada por estas já mencionadas companhias tão marcadas pelas virtudes, também, do inferno.
A peste é este desassossego de saber-se sem jamais poder crer... ou mesmo, saber.
Biel e eu conversamos longamente. É sempre assim, eu ansioso por dormir (ou, antes, ansioso por não ser questionado por meu atraso e não passar o dia sonolento), mas igualmente interessado pela conversa. Ele me fala sobre ansiedade e sobre organizar o tempo. Eu brinco de "amigo lacaniano", devolvo a responsabilidade, ofendo, provoco, ironizo com fatos. Falo tanto pra ele quanto pra mim, mas me encolho esperando a resposta que não vem. Ela não se enuncia, mas a peste já está em mim.
"Você não acredita em nada", diz Sinop, nunca em tom lisonjeiro, com certa freqüência. Rio-me e penso , ou digo, que errado é quem acredita, mas lembro angustiado deste drama de crer sabendo que não posso fazê-lo e agir sempre fendido pela contradição.
Mas um amigo surge e me lisonjeia ao chamar esse "pessimismo clubedalutiano", que oscila entre o poético e o concréto, de raro.
Talvez a peste não seja.
Talvez eu só esteja confuso pelo desejo de crer, o dever de questionar e a necessidade de jamais me deixar domar.